Sem mim não há Borboleta, sou a Lagarta.

UM ESPAÇO PARA DEIXAR-SE IR, SEM VOLTAR. A TUA BAGAGEM É O TEU CORAÇÃO.

domingo, 11 de abril de 2010

AVÓz de dentro


Tamara amara ainda jovem. Tinha 15 anos, não mais que isso quando Igor passou pela sua frente jogando bola. Típica cena que todas nós conhecemos, não? Ainda que não a tenhamos vivido. Por quê? Por que fica cada vez mais fácil entender que a dor de uma mulher é a dor de todas, e eu ousaria dizer: mais perceptível ainda mesmo na face daquelas cujo olhar compete com nosso guarda-roupa; que nós mulheres temos em comum a dor, a dor de já ter amado.

O cineasta espanhol Almodóvar admite que homens também choram Mas que as mulheres choram melhor. Por isso as escolhe para conduzir grande parte de seus filmes. E porque acredita que o amadurecimento feminino só chega após certo sofrimento. Tal o é biologicamente no processo de parir: após este ato, a mulher amamenta, vira fonte de alimento de outro ser que dela depende, dela tudo suga nos primeiros dias, meses, anos. Dói? não dói? Para algumas mais, outras menos. O fato é: por que passamos com o tempo a evitar a dor? Meu sentimento é esse: o que temos aprendido com os homens tornando-nos mais parecidas com eles ao invés de deixá-los evoluir com nossos antigos e sábios hábitos? Há quem diga que as palavras da Avó são como pedras preciosas, e já não se encontram mais por aí. E o dizem com certa nostalgia como se agora já não fossem feitas mais mulheres como antigamente ou avós como antigamente.

Retire o lado submisso da coisa cujo espaço passou a ser questionado a partir dos anos 50 com nossas desbravadoras Beauvoir, Sue-Ellen Case, Butler, Kristeva, Dona Anita que não foi noticiada mas certamente se fartou de viver a enxugar meias pratos... Falo da sabedoria antiga. Feminina e menina. Muito menina, porque requer cuidados e acalento. Sabedoria que a gente aprendia observando. Quanto mais no silêncio, mais aprimorando os dons que exigiam de nossas mãos manuseios e trançados, e da mente: intuições, percepções, direções. Tínhamos tempo para, menstruadas, parar e lidar com a dor. A vida não era medida em segundos, mas em fios, linhas, cortes e tecidos.

Há na memória, mesmo a de quem pouco conviveu com a avó, ou mesmo de quem nunca teve uma avó - e isso talvez a psicanálise do inconsciente consiga explicar - um cheiro de mulheres reunidas a tomar um chá cultivado no jardim. Um gosto de terra molhada, arada e remexida por mãos que preparavam o jantar. Uma lembrança de um olhar, um ponto cruz, uma palavra de esperança, uma reza ao fim do entardecer. Creio, e por isso escrevo, que esse tempo perdido e já não mais recuperável vive em nós e nos lembra constantemente que a dor era parte do ar dessas mulheres. Mas que elas não fugiam, e sim enfrentavam, marchavam no ritmo da natureza, respeitando seus ciclos, como flores que ora se abrem, ora caem secas sobre a terra.

Mulheres que não esperavam o príncipe encantado, ao contrário, tinham plena consciencia da fraqueza dos homens, porque pariam esses homens, porque os viam chegar das guerras. Mulheres que detinham a sensualidade no olhar e quanto mais velho este olhar, mais penetrante se tornava. Mulheres que sabiam sorrir, mas um sorrir de verdade, aquele que só se dá quando se chora.

Pois bem, Tamara teve seu primeiro amor. E seu segundo e seu terceiro. E neste sábado irá a Trend no lago Sul movida a que? Amor. Sim, porque podemos estar vestidas ou pouco-vestidas pelas noites afora, ajeitando um cabelo, uma unha, entre mil e um telefonemas e pretendentes que nos consideram gostosas, no trabalho. Mas no fundo, vive em nós essa Avó solitária. E ela insiste em nos fazer companhia numa tarde de domingo quando a Tv utiliza uma linguagem muda...